quarta-feira, 15 de abril de 2009

ALGUMAS OBRAS

IARA, A MULHER VERDE


Neste país de coisas em excesso

o sol me agride, o azul passa da conta.

No entanto, os poucos beijos que te peço

o teu amor futuro me desconta.

De tanto céu tenho a cabeça tonta.

O meu jornal é todo em verde impresso.

Só tu, a quem já um pássaro amedronta,

e fechas no mais íntimo recesso....

No país do excessivo, és muito pouca.

Vê a borboleta jovem, como esvoaça.

Vê como nos convida a manhã louca!

Por seres assim, se tudo é assombro,

se a própria nuvem branca – e com que graça –

só falta vir pousar em nosso ombro?


(Dentro da noite, 1915,Cassiano Ricardo)



Sala de Espera

Ah, os rostos sentados
numa sala de espera.
Um "Diário Oficial" sobre a mesa.
Uma jarra com flores.
A xícara de café, que o contínuo
vem, amável, servir aos que esperam a audiência marcada.

Os retratos em cor, na parede,
dos homens ilustres
que exerceram, já em remotas épocas,
o manso ofício
de fazer esperar com esperança.
E uma resposta, que será sempre a mesma: só amanhã.
E os quase eternos amanhãs daqueles rostos sempre adiados
e sentados
numa sala de espera.

Mas eu prefiro é a rua.
A rua em seu sentido usual de "lá fora".
Em seu oceano que é ter bocas e pés
para exigir e para caminhar.
A rua onde todos se reúnem num só ninguém coletivo.
Rua do homem como deve ser:
transeunte, republicano, universal.

Onde cada um de nós é um pouco mais dos outros
do que de si mesmo.
Rua da procissão, do comício,
do desastre, do enterro.
Rua da reivindicação social, onde mora
o Acontecimento.

A rua! uma aula de esperança ao ar livre.

(Um dia depois do outro,1947, Cassiano Ricardo)




segunda-feira, 13 de abril de 2009

SEMANA DA ARTE MODERNA

Existem fatos que já indicam os novos tempos de emancipação cultural,como por exemplo, jovens de espírito nacionalista sentindo necessidade de valorizar o verdadeiro Brasil.
Começa então,na primeira década do século XX, a ruptura com a perfeição e formalidade.
Em 1922 foi realizada a Semana da Arte Moderna, durou de 11 a 18 de Fevereiro no Teatro Municipal de São Paulo.
Reuniu artistas plásticos,músicos(Vila Lobos e Ernani Braga),escritores(Graça Aranha,Plínio Salgado,etc) e críticos(Ronald de Carvalho e Sérgio Millieti) que estavam dispostos a quebrar com nossa tradição e valorização europeia.
Essa semana provocou reações da imprensa e intelectualidade conservadora que via a manifestação como uma imitação dos valores estrangeiros,como se o fato de estarem combatendo fosse ideia importada.
Mas a crítica ajudou muito na divulgação passando a ser um marco a partir do qual o Modernismo se realiza realmente.
No Brasil,o ano de 1922 teve características especiais como:
  • Centenário da independência política
  • Criação do Partido Comunista
  • Coluna Prestes
  • Política do café-com-leite
Por esse contexto os jovens questionam as funções da arte e a entendem como uma forma de comunicação comprometida com o homem do seu tempo. Assim,eles atuam e lutam por uma arte que seja antes de tudo a expressão do homem brasileiro.

MARTIM CERERÊ

Propunha uma visão épica da história pátria,com visão estética do mito e na universalidade de sentimentos que vai buscar o elemento estrangeiro para salientar o elemento nacional, representando o ponto alto da vertente nacionalista e ufanista do Verde amarelismo.

Constituído de poemas de ritmo e forma variada,aproximando-se das histórias em quadrinhos.

O enredo desenvolve a lenda do surgimento da noite e do desenvolvimento do Brasil.O índio Aimberê e o marinheiro branco Martim apaixonam-se pela Uiara, que propõe se casar com aquele que lhe trouxer a noite.

Martim vai à África e traz a noite que são os negros escravos.

Da união, surgem os bandeirantes,que desbravam.

Nos sertões plantam o mar verde dos cafezais e constroem as fábricas e arranha-céus na metrópole paulista.

Falava principalmente do surgimento de uma raça nova,produto da miscigenação, que deveria produzir um tipo especial de brasileiros, filhos de todos os povos.Surgindo então a crença na “democracia biológica”,inventada pelo próprio Cassiano Ricardo,fundada na ausência de preconceito de sangue.

Assim esse poema propunha uma visão épica da pátria, exaltava o bandeirismo,buscava mitologia nacional,vinculava-se à civilização cafeeira e a industrial e a “democracia biológica”.



O "ACHAMENTO"

A terra é tão fermosa

e de tanto arvoredo

tamanho e tão basto

que o homem não dá conta.

No clarão matutino

os tucanos rombudos,

eram como figuras

a lápis encarnado

e que houvessem fugido

do caderno escolar

em que Deus aprendia

desenho, em menino.

Tupis em alvoroço,

tribos guerreiras, mansas,

troféus verdes na ponta

dos chuços e das lanças.

Jequitiranabóias.

Colar de osso ao pesocço,

vermelhas araçóias,

cocares multicores.

Cada qual com o seu sol

de plumas à cabeça.

Guerreiros da manhã

que haviam já descido

dos Andes à procura

da Noite, que estaria

para os lados do Atlântico.

Agora se debruçam,

reunidos, ombro a ombro,

sobre a Serra do Mar,

e espiam, com assombro,

o dia poruguês

que saltara das ondas

qual pássaro marinho

ruflando a asa enorme

das velas redondas

por errar o caminho,

e os homens cor do dia

que sairam de dentro

do pássaro marinho!

E em nome do seu povo,

sem saber se quem chega

é fidalgo, ou plebeu;

anjo de cor bronzeada,

cabelo corredio,

nu, listado em xadrez,

tal como Deus o fez,

vem o dono da casa

e oferece o que é seu:

águas, cobras, flores!

Nisto a manhã louca

grita: “bem-te-vi”!

E o Marinheiro branco,

coração já confuso,

ouve, maravilhado,

no gorgeio de um pássaro,

o idioma, que, com pouca

corrupção, crê que é luso.

Como explicar que uma ave

de país tão agreste,

diga que bem me viu,

se tu, ó Pai celeste,

não houvesses previsto

que a terra dadivosa

seria descoberta

por quem a descobriu?

Parece que dois povos

tinham marcad encontro

À sombra de tal Serra,

nessa manhã sem par.

Um que vinha do Mar

seguindo a lei do Sol,

em busca de um tesouro

chamado Sol da Terra

(um novo Tosão de Ouro);

outro vindo da Terra

para os lados do Atlântico

à procura da Noite

como se advinhasse,

por estranha magia,

que havia o Mar da Noite.

Pois no fundo das águas

é que a Noite estaria.

(Martim Cererê, Rio, José Olympio, 1994)